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Carla Janeiro

Créditos de biodiversidade para o Montado

A perda acelerada da biodiversidade ameaça não só espécies animais e vegetais, mas também a própria sobrevivência humana. Para enfrentar essa crise, projetos inovadores de créditos de biodiversidade ganham espaço, atribuindo valor económico à natureza e incentivando a conservação. Soluções com base no mercado são vistas como promissoras para inverter a crise da biodiversidade.

A biodiversidade presta inúmeros serviços essenciais à sociedade, amplamente reconhecidos. Entre eles estão o fornecimento de alimentos e matérias-primas, os serviços de regulação e manutenção como o sequestro de carbono e o controlo da erosão, bem como os serviços culturais, como o turismo de natureza.

Apesar desse reconhecimento, a ação humana continua a ameaçar a biodiversidade.

O Relatório de 2019 da Plataforma Intergovernamental das Nações Unidas para a Biodiversidade e os Serviços dos Ecossistemas revelou dados alarmantes: cerca de 25% das espécies avaliadas de animais e plantas estão em risco de extinção e aproximadamente um milhão de espécies conhecidas podem desaparecer até 2050.

Nas últimas cinco décadas, houve uma redução média de 69% nas populações selvagens. A degradação dos solos comprometeu a produtividade em 23% da superfície terrestre global, e estima-se que 577 mil milhões de dólares em colheitas estão anualmente em risco devido à redução dos polinizadores. Adicionalmente, a destruição de habitats e da proteção costeira expõe entre 100 e 300 milhões de pessoas a um risco crescente de inundações e furacões.

Estamos, claramente, diante de uma crise de biodiversidade. A comunidade científica alerta que a perda acelerada de biodiversidade representa uma ameaça real à sociedade humana e pode comprometer a sua própria sobrevivência.

A necessidade de agir constitui uma oportunidade para a conservação

Apesar dos múltiplos compromissos assumidos a nível internacional, ainda não foram encontradas soluções eficazes que garantam, a longo prazo, resultados positivos para inverter o declínio da biodiversidade. Nesse contexto, começam a surgir soluções baseadas no mercado, que visam mobilizar financiamento para a biodiversidade. Estas abordagens são variadas e vão desde empresas cotadas em bolsa com ativos naturais, até à criação de bancos de espécies ameaçadas – todas com o objetivo comum de atribuir um valor económico à biodiversidade.

Entre estas soluções destacam-se os créditos de biodiversidade, em implementação em países como a Austrália, o Brasil e a Colômbia.

Contudo, os projetos existentes recorrem a metodologias e indicadores muito diversos. Em certos casos, a transação de créditos ocorre em plataformas digitais, e os compradores vão desde as empresas que procuram cumprir metas ESG (Ambientais, Sociais e de Governança), aos cidadãos comprometidos com a conservação e às organizações não-governamentais interessadas em financiar projetos de proteção da natureza.

Créditos de biodiversidade para o Montado em estudo, em Portugal

Em Portugal, está em curso um projeto de investigação na área dos créditos de biodiversidade, no âmbito do doutoramento em Ciências da Sustentabilidade da Universidade de Lisboa, em parceria com o MED – Instituto Mediterrâneo para a Agricultura, Ambiente e Desenvolvimento da Universidade de Évora.

O projeto de investigação em curso pretende desenvolver um mecanismo de créditos de biodiversidade especificamente orientado para o Montado. O objetivo é mobilizar financiamento privado para remunerar proprietários e gestores agrícolas que adotem práticas capazes de conciliar as atividades agropecuárias com a conservação da biodiversidade e o restauro ecológico.

A importância desta iniciativa reside na necessidade urgente de travar a perda de área e de vitalidade do Montado, verificada nas últimas décadas e causada por diversos fatores.

© Carla Janeiro

Este agroecossistema possui elevado valor social, ambiental e económico, reconhecido a nível nacional e ibérico, sendo classificado como de Elevado Valor Natural. Assim, é imperativo desenvolver modelos de negócio e mecanismos inovadores, atrativos para gestores e proprietários, que promovam benefícios efetivos para a biodiversidade a longo prazo.

No âmbito deste projeto, foi realizada uma análise da evolução do conceito de créditos de biodiversidade desde os anos 70, bem como o mapeamento dos principais desafios para a sua implementação no terreno. Esta análise procurou identificar forças, fraquezas e requisitos para garantir a viabilidade do mecanismo e evitar erros cometidos com outras ferramentas, nomeadamente com o mercado de carbono.

Atualmente, a equipa está a estudar mecanismos análogos em funcionamento noutras regiões do mundo, informação essencial para a criação de um mercado de créditos de biodiversidade para o Montado.

O processo será necessariamente participativo, através de diferentes tipos de atividades, para recolha de contributos de todas as partes interessadas. Posteriormente, pretende-se implementar um projeto piloto que permita testar as diferentes componentes do mecanismo, em contexto real de mercado, o que permitirá efetuar os eventuais ajustes que sejam necessários.

Esta solução poderá vir a beneficiar um milhão de hectares de Montado em Portugal e cerca de três milhões de hectares na Península Ibérica.

Um estudo promovido pelo World Economic Forum estima que, até 2050, a procura por créditos de biodiversidade poderá situar-se entre 69 e 180 mil milhões de dólares. Muito recentemente, a Comissão Europeia apresentou o Roadmap for Nature Credits, um plano estratégico para desenvolver créditos de natureza, visando tornar os investimentos na natureza uma fonte estável de valor duradouro.

Para além do potencial de mercado, há um claro reconhecimento de que, se bem desenhado, este tipo de mecanismo poderá gerar benefícios duradouros, tanto para a natureza como para as pessoas.

Setembro de 2025

O Autor

Carla Janeiro é assistente de investigação convidada na Universidade de Évora.

Licenciada em Engenharia Zootécnica, pela Universidade de Évora (UÉvora), onde também concluiu o mestrado em Gestão de Recursos Biológicos, está em 2025 a desenvolver o seu doutoramento em Ciências da Sustentabilidade, na Universidade de Lisboa. Integra os centros de investigação CE3C (FCUL), ADVANCE (ISEG) e MED (UÉvora).

O seu projeto de investigação foca-se nas soluções com base no mercado para a conservação da biodiversidade e o seu objetivo é desenhar um mecanismo para o mercado de créditos de biodiversidade especificamente para o Montado.

carla.janeiro@uevora.pt

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