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Conservação

Proteger a carvalhiça: projeto LusoQuercus junta ciência e cidadãos

No Outono de 2025, o projeto LusoQuercus lança um apelo a todos os que querem preservar as florestas portuguesas: que registem os exemplares de Quercus lusitanica que encontrarem e recolham as suas bolotas, ajudando a ciência a saber mais sobre esta espécie e a promover a sua conservação.

O projeto LusoQuercus desafia os portugueses a contribuir para o mapeamento colaborativo da carvalhiça (Quercus lusitanica) e para a recolha (e envio à equipa científica) de bolotas desta espécie, também conhecida como carvalho-anão.

Estes passos constituem uma ajuda essencial para apoiar a ciência no seu conhecimento sobre o mais pequeno dos carvalhos portugueses (nomeadamente sobre a sua variedade genética e distribuição em Portugal) e no planeamento de ações que promovam o seu restauro e conservação.

A carvalhiça é uma das 11 espécies de carvalhos nativos em Portugal e encontra-se dispersa, sobretudo, pelo Oeste da Península Ibérica e Norte de Marrocos. A espécie integra um subtipo de habitat prioritário da Rede Natura 2000 (Habitat 5330 – Matos termomediterrânicos pré-desérticos, subtipo 5330pt4 – Matagais de Quercus lusitanica), sendo-lhe reconhecido elevado valor ecológico pela sua capacidade de regeneração por rizomas, ou seja, através de caules que crescem debaixo da terra e conseguem emitir novos rebentos e raízes, mesmo quando a parte aérea (visível) é destruída por corte, pastoreio ou fogo.

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Imagem da espécie Quercus lusitanica por Rui Oliveira, do Jardim Botânico UTAD, Flora Digital de Portugal.

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Imagem da espécie Quercus lusitanica por Rafael Medina, do Jardim Botânico UTAD, Flora Digital de Portugal.

Como o seu rizoma subterrâneo permanece vivo e consegue regenerar a planta, a presença da carvalhiça é importante na etapa inicial de recuperação de bosques e florestas, que foram, por exemplo, afetados por incêndios.

Contudo, a sua presença é fragmentada e está em declínio por pressões várias, incluindo as relacionadas com as alterações climáticas. Acresce que os cenários futuros projetam uma perda significativa das áreas onde a carvalhiça tem condições climáticas adequadas para crescer, refere o projeto LusoQuercus. Antecipa-se que estas condições se irão deslocar “para o Noroeste, onde as populações se encontram fragmentadas, com baixo grau de conservação e sob ameaça, correndo risco de desaparecimento e de redução da área de ocorrência da espécie a nível nacional”.

É, por isso, necessário saber mais sobre esta espécie, obter bolotas que possam repovoar zonas onde a carvalhiça encontra condições adequadas e reforçar a sua presença em áreas nas quais tem vindo a reduzir-se.

Como reconhecer a carvalhiça, registá-la e enviar as suas bolotas?

A carvalhiça é um arbusto rastejante, que raramente ultrapassa o meio metro de altura (embora possa elevar-se aos três metros) e pode formar pequenas moitas, que aumentam de diâmetro com a idade. Cresce, com frequência, em solos pobres e ácidos (exceto calcários), em matagais, sobreirais, carvalhais e bosques mistos, sob as copas de outras árvores.

Encontra-se até aos 800 metros de altitude, em associação com plantas como o medronheiro (Arbutus unedo), a torga ou urze-roxa (Calluna vulgaris), o tojo-molar (Ulex minor) a torga ou carrasca (Erica umbellata), a arranha-lobo (Genista triacanthos) e a ruiva-brava ou graxa-brava (Rubia peregrina).

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Calluna vulgaris

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Ulex minor

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Erica umbellata

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Rubia peregrina

As folhas têm entre 2,15 e 12 centímetros de comprimento e 1,2 e 5 de largura e estão presas aos ramos por um pé curto (pecíolo de apenas 1 a 3,5 milímetros). A parte de trás da folha (chamada página inferior) tem uma cor mais baça e acinzentada, enquanto a parte da frente (página superior) tem um verde escuro mais brilhante.

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© LusoQuercus

Uma característica distintiva mais fácil de identificar é o formato da folha na parte que a une ao pecíolo: tem a forma de um cálice, com as margens inteiras (sem recortes). Os “dentes” só começam a recortar a folha depois desta parte inicial, que pode corresponder a cerca de um terço ou metade do seu comprimento.

Em campo, ao encontrar uma carvalhiça, estas medidas e características devem ser confirmadas para evitar identificações erradas. Uma vez confirmada a espécie, é preciso registá-la:

  • Fotografar a planta, as folhas e as bolotas (com um smartphone);
  • Registar as coordenadas geográficas (latitude/longitude WGS84), usando GPS.
  • Registar a observação no iNaturalist associado ao projeto LusoQuercus (em https://www.inaturalist.org/projects/lusoquercus).

Antes de fazer o registo é necessário criar conta no iNaturalist.

As bolotas são frutos que amadurecem ao longo do Outono, o que é facilmente visível pela mudança da sua cor, de verde para acastanhado. Estes frutos guardam a semente no seu interior, o que permite germinar novas carvalhiças por propagação seminal. No caso da carvalhiça, as bolotas têm habitualmente entre 1 e 1,6 centímetros e são suspensas por um pedúnculo rígido de até 1,5 centímetros.

A recolha de sementes deve ser feita de forma moderada, com a consciência de que as bolotas têm importância no local onde se encontram, quer para promover a regeneração natural da espécie, quer para servir de alimento à fauna silvestre, principalmente mamíferos e aves. Assim, contribuir para o projeto LusoQuercus passa por:

  • Recolher bolotas maduras diretamente da planta e limpá-las;
  • Acondicionar as bolotas em sacos de papel ventilados;
  • Etiquetar com data e local de recolha (coordenadas);
  • Enviar prontamente as bolotas acondicionadas (perdem rapidamente a viabilidade se começam a secar), por correio, para: BIOPOLIS/CIBIO – Universidade do Porto, Projeto LusoQuercus, Campus de Vairão, Rua do Crasto, nº 765, 4485-684 Vairão.
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Neste processo, devem ser usadas luvas para evitar o contacto com as bolotas.

Refira-se que o projeto LusoQuercus aplica critérios genéticos de conservação para selecionar as bolotas que poderão contribuir para a diversidade e resiliência da espécie.

O projeto LusoQuercus

O “LusoQuercus – Conservação de Quercus lusitanica: restauro de um carvalho arbustivo emblemático e negligenciado” é um projeto do CIBIO-Biopolis que combina ciência, conservação e participação pública para preservar a carvalhiça. Arrancou no final de 2024 e a sua conclusão está prevista para finais de 2027.

Com a ação coordenada de investigadores e cidadãos, o LusoQuercus pretende reforçar a capacidade de sobrevivência da carvalhiça face às mudanças climáticas, restaurar manchas fragmentadas, aumentar as populações e garantir que esta espécie continue a cumprir um papel ecológico vital nos bosques portugueses.

As suas quatro principais linhas de ação são:

  • Investigação: integrar dados genómicos de populações com modelos de distribuição climática, que ajudem a antecipar alterações na área de ocupação natural.
  • Conservação: aprofundar a informação sobre a presença da carvalhiça, melhorando a cartografia e a proteção das populações existentes, e promovendo a propagação vegetativa e seminal (multiplicação por sementes e por rebentamento) da carvalhiça.
  • Restauro: plantação assistida com base nos dados genómicos e nos modelos, seguida de monitorização e intervenções corretivas conforme necessário.
  • Sensibilização e Ciência Cidadã: campanhas de registo de ocorrências, voluntariado, recolha de bolotas e sensibilização da comunidade.