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Sistemas agroflorestais: entre a tradição e a inovação, por Joana Amaral Paulo

Portugal tem uma grande variedade de sistemas agroflorestais. O mais conhecido é o montado, mas existem outros que importa conhecer e conservar. Joana Amaral Paulo explica o que são estes sistemas, as suas vantagens e desafios, assim como várias soluções que ajudam a manter e a renovar a tradição.

Os sistemas agroflorestais são áreas onde as árvores (pelo menos uma espécie lenhosa) se integram com culturas agrícolas e/ou gado. São espaços de policultura, que tanto podem resultar da instalação de árvores em terrenos agrícolas como da introdução de culturas agrícolas e de pastoreio em áreas florestais ou pomares.

As três principais tipologias de sistemas agroflorestais são:

  • Sistemas silvoaráveis: integram culturas agrícolas e arbóreas;
  • Sistemas silvopastoris: integram gado e árvores;
  • Sistemas agrossilvopastoris: combinam culturas agrícolas, arbóreas e criação de animais.

Nestes sistemas, as árvores podem estar dispostas em fileiras com espaçamentos regulares, entre os quais existem, por exemplo, culturas de cereais, ou podem estar dispersas de forma irregular, como acontece no mais conhecido sistema agroflorestal em Portugal – o montado. Podem ainda estar nas extremidades das parcelas (fazendo uma bordadura que as delimita), ou reunidas em pequenos grupos – os bosquetes. Estes sistemas têm inúmeras vantagens e a primeira é a otimização dos recursos naturais disponíveis.

Vantagens e desafios dos sistemas agroflorestais

A adição de árvores em espaços agrícolas aumenta o sequestro de carbono e a captação de energia solar. O sistema radicular (sistema de raízes) das árvores favorece a infiltração da água no solo, promovendo a recarga de aquíferos, e os raminhos e folhas que caem levam ao aumento da matéria orgânica no solo. Juntamente com a presença de animais, que ajudam a fertilizar naturalmente a terra, facilitam a disponibilização de vários micro e macronutrientes do solo, promovendo o equilíbrio do ciclo de nutrientes.

Outros benefícios relacionam-se com o papel das árvores enquanto barreiras naturais que protegem as culturas agrícolas da velocidade do vento, ao mesmo tempo que conferem proteção ao solo contra a erosão, tanto eólica como hídrica, reduzindo a escorrência das águas da chuva, que arrastam consigo o solo e os seus nutrientes. A presença de árvores é importante também para os animais, proporcionando-lhes sombras que os protegem das ondas de calor.

Para os proprietários, uma das principais vantagens é a diversificação de culturas e o aumento da resiliência das explorações também do ponto de vista das fontes de receitas: mesmo que um problema afete uma cultura não compromete toda a produção. É o princípio de “não colocar os ovos todos no mesmo cesto”, lembra Joana Amaral Paulo.

Mas se existem tantas vantagens nos sistemas agroflorestais, qual é a razão para que mais produtores não os adotem? Inquéritos feitos a agricultores assinalam vários desafios, entre os quais se destacam:

  • Receio do aumento de perdas por predação, tanto do gado como dos animais selvagens;
  • Receio de que aumentem infestantes e doenças, que depois precisarão de controlar;
  • Aumento da complexidade do trabalho, devido à presença de diferentes culturas (desde a relação entre as diferentes espécies ao impacte do ensombramento nas culturas agrícolas) e às exigências que esta diversidade implica em termos de conhecimento, mão-de-obra e gestão.
  • Aumento dos encargos administrativos e da regulação. Por um lado, as regras da PAC – Política Agrícola Comum continuam a ser bastante limitativas e complexas quando existem árvores nas parcelas agrícolas, e por outro, existe um aumento da regulação associada à submissão de projetos em que se pretende instalar uma componente arbórea em zonas agrícolas.

Elevada variedade de sistemas agroflorestais em Portugal

A Península Ibérica sobressai na Europa como um hotspot de sistemas agroflorestais e Portugal tem uma variedade muito grande de sistemas tradicionais. Além do mais conhecido montado de sobro e azinho (sobreiro e azinheira), típico do Alentejo, temos:

  • Os soutos, na região de Trás-os-Montes, que conjugam a produção de castanha e pastorícia;
  • Os pomares silvopastoris, que existem por todas as regiões, embora com diferentes espécies de árvores de fruto (por exemplo, no Algarve é comum a alfarrobeira conjugada com pastorícia);
  • Os lameiros, principalmente em zonas de montanha, com árvores de bordadura que funcionam como limites para proteção dos animais que pastam no interior das parcelas. No Verão, depois de podadas, as árvores podem gerar suplemento alimentar (forragem) para os animais.
  • As parcelas de vinha com olival e pomar tradicional (cerejeiras, macieiras, amendoeiras, marmeleiros e muitas outras), típicas das Beiras e principalmente da Beira Alta.
  • A vinha do enforcado, tradicional do Douro, em que a vinha é conduzida em altura e suportada pelas árvores (tutores vivos) que também fazem a bordadura das parcelas. No Verão, as árvores são normalmente alvo de podas acentuadas, gerando também forragem para os animas que estão no centro das parcelas.

Muitos destes sistemas enfrentam desafios que necessitam de soluções e abordagens inovadoras para poderem continuar a existir. Por exemplo o montado de sobro (cuja vertente económica está muito relacionada com o preço da cortiça e da carne) tem vindo a enfrentar uma maior mortalidade das árvores, muitas vezes associada às alterações climáticas e também ao sobrepastoreio. Neste caso, têm sido testadas várias soluções, como:

  • Colocar vedações em pequenas clareiras arborizadas para proteger a bolota (que cai para o solo) da predação dos animais e favorecer a sua germinação;
  • Colocar protetores em torno das jovens árvores que já estão a germinar, também para as proteger dos animais que as podem comer ou pisar;
  • Fazer adensamentos, quando necessário, com plantação de sobreiros e azinheiras em zonas onde se mantêm arbustos que possam proporcionar sombra e proteção às novas árvores para promover uma maior taxa de sobrevivência;
  • Proceder a irrigação nos primeiros anos de vida das árvores, também para promover maior sobrevivência;
  • Instalar materiais que aumentem a atividade microbiológica, a humidade do solo e a capacidade das razies para captarem água (mulching e micorrizas).

Nos lameiros, uma das soluções aplicadas tem sido o chamado “pastoreio rotativo”, que permite conduzir o gado de forma a preservar as espécies vegetais que se querem manter e as que se querem deixar para consumo do gado. Esta técnica é complexa, mas tem sido apoiada pela utilização de coleiras GPS (o projeto Life Maronesa, por exemplo, está a usá-las), e está muitas vezes associada a aplicações digitais que permitem saber à distância o tempo que cada animal permanece em cada zona da exploração.

O pagamento por serviços de ecossistema em lameiros e na vinha do enforcado é outra medida que deve ser considerada para evitar que desapareçam estes sistemas agroflorestais tradicionais.

Em termos de inovação, a variedade de combinações pode ser aumentada, incluindo culturas que não são comuns nos sistemas agroflorestais em Portugal, como a floricultura por exemplo. A diversificação de sistemas silvoaráveis é outra hipótese, pela conciliação de culturas agrícolas com a instalação de espécies de árvores que têm elevada procura no mercado, como é o caso do eucalipto. Isto poderia libertar áreas em regiões onde o eucalipto tem menor produtividade e se encontra muitas vezes ao abandono, promovendo-o em regiões de maior produtividade, em conjunto com outras culturas.

Sobre o Formador

Doutorada em Engenharia Florestal e dos Recursos Naturais pelo Instituto Superior de Agronomia (ISA), Joana Amaral Paulo é professora no ISA e investigadora no Centro de Estudos Florestais (CEF).

No ISA, leciona nas áreas da Modelação Florestal e Sistemas Agroflorestais (entre outras), coordena a comissão do mestrado em Engenharia Florestal e dos Recursos Naturais, o projeto AcornDew e a participação do ISA no projeto ResAlliance. No CEF, lidera a linha de investigação Forchange. Adicionalmente, é membro fundador da Federação Europeia de Agroflorestação (EURAF), desde 2011.

A sua principal área de trabalho consiste em compreender os efeitos da gestão e dos fatores edafoclimáticos no crescimento, produção e sobrevivência do sobreiro, da cortiça e de outros produtos florestais não lenhosos. É responsável pela instalação, manutenção e valorização de diversos ensaios experimentais de longa duração e de redes de parcelas permanentes, algumas das quais instaladas nos anos 90 e que são a base da suberoteca do CEF.