Comentário

Mónica Maia-Mendes

Educação ambiental vs. literacia de natureza

E se, em vez de falarmos em educação ambiental, passássemos a falar de literacia de natureza? Imagine um mundo onde cada pessoa se torna um leitor da Terra, capaz de decifrar os segredos escondidos nas folhas, nas águas ou no solo. Nesta nova perspetiva, o conhecimento não é apenas transmitido, mas experimentado: é o sentir da vibração de um rio que conta histórias milenares, é ver em cada gota de água o reflexo de uma vida interligada, é “ler“ a natureza, compreendendo os seus sinais, os seus ciclos e as suas dinâmicas. E reconhecer a nossa total interdependência do meio natural que nos rodeia.

A educação ambiental tem sido, há décadas, um conceito essencial para despertar a consciência ecológica e promover práticas sustentáveis. No entanto, ela é muitas vezes percebida como um conjunto de informações teóricas e distantes da experiência direta com o meio natural.

Por outro lado, a literacia de natureza propõe um envolvimento mais profundo, uma relação de conhecimento, vivência e interação constante com os ecossistemas. Como referia Rachel Carson: “O sentido de maravilhamento é um dos mais duradouros presentes que podemos oferecer a uma criança”.

Esse sentimento é a base sobre a qual se constrói uma verdadeira consciência ecológica. Trata-se de aprender com uma narrativa inovadora, onde a educação ambiental deixa de ser um conjunto de conteúdos teóricos para se transformar num processo sensorial, onde aprender é, antes de tudo, estar imerso na natureza.

A literacia de natureza proporciona uma experiência holística, integrando as dimensões histórica, cultural e ecológica que moldam o nosso ambiente. Não se trata apenas de educar sobre o meio ambiente, mas de viver e aprender com ele – como se cada árvore, cada curso de água e cada paisagem fosse um livro aberto para ser lido com os olhos e com o coração.

Como defende David Sobel, “é essencial que as crianças aprendam a amar a Terra, antes de serem chamadas a salvá-la”.

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Nesse sentido, a literacia de natureza ultrapassa os limites da simples transmissão de informações e convida a que nos tornemos protagonistas da nossa própria aprendizagem. A partir dos princípios da sensibilidade, da informação, da competência e da motivação, somos chamados a agir – a transformar o nosso quotidiano e a renovar a nossa relação com o mundo natural. Assim, a educação deixa de ser algo estático e converte-se num processo dinâmico, onde cada experiência, cada descoberta e cada desafio se traduz em conhecimento renovado.

Uma mudança de paradigma necessária

Este conceito não se limita a transmitir conhecimento, mas sim a construir uma sensibilidade ecológica ativa, onde cada indivíduo desenvolve a capacidade de interpretar o ambiente, tomar decisões informadas e agir em prol da conservação.

Mas como podemos operacionalizar esta mudança de paradigma? Como transformar a literacia de natureza em algo concreto dentro das práticas educativas?

A educação ambiental, conforme destacada na Estratégia Nacional de Educação Ambiental, deve ser integrada nos programas educativos, promovendo uma abordagem interdisciplinar e contínua ao longo da vida. A noção tridimensional do ambiente, envolvendo a natureza, a sociedade e a cultura, reforça a importância de um ensino que vá além da transmissão de conhecimento e que envolva a participação ativa na resolução dos problemas ambientais.

Uma visão europeia para a literacia da natureza

A nível europeu, esta mudança de paradigma encontra eco em diversas políticas e diretrizes. Por exemplo:

Ambas colocam a natureza no centro das soluções para os desafios do século XXI. Conceitos como Nature-Based Solutions (NBS) são fortemente promovidos pela Comissão Europeia como forma de integrar biodiversidade, adaptação climática e bem-estar humano.

As escolas têm um papel essencial neste movimento ao assumirem o papel de laboratórios vivos, onde os alunos aprendem fazendo – plantando, cuidando, monitorizando e interpretando o meio que os rodeia.

A literacia de natureza encontra-se também alinhada com as orientações da UNESCO para a Educação para o Desenvolvimento Sustentável (2020), que reforça a importância da abordagem transversal, interdisciplinar e ao longo da vida, e reconhece o papel fundamental da dimensão experiencial no processo educativo.

Uma educação transformadora

Este novo paradigma é, portanto, um convite para repensarmos a forma como interagimos com a natureza: uma proposta ousada, “fora da caixa”, que nos impulsiona a sair do nosso papel de passivo observador e a viver a realidade que nos rodeia.

É a promessa de uma educação transformadora, capaz de despertar, em cada um de nós, a consciência de que somos, acima de tudo, leitores e escritores da grande história da vida na Terra.

Ao abraçarmos a literacia de natureza, reconhecemos que não basta conhecer a natureza — é preciso senti-la, interpretá-la e com ela dialogar.

Esta transição convida-nos a educar com os pés na terra, os olhos no horizonte e o coração aberto à interdependência que nos une a todas as formas de vida.

O desafio? Tornar esta visão real

O desafio está agora em tornar esta visão prática, sistemática e acessível.

Cabe às escolas, aos educadores e às comunidades educativas criar ambientes onde a natureza deixe de ser apenas tema e se torne presença viva nos percursos de aprendizagem. Precisamos de:

  • Políticas educativas que integrem a natureza como aliada pedagógica;
  • Currículos que valorizem as vivências concretas e a sensibilidade ao mundo natural;
  • Educadores capazes de implementar este novo paradigma com criatividade e compromisso.

A literacia de natureza não é um ideal utópico, mas uma resposta educativa concreta aos desafios do presente.

É também uma promessa: a de uma educação mais humana, mais sensível e mais alinhada com os ritmos do mundo vivo. Uma educação que, em vez de apenas formar cidadãos informados, cultiva guardiões conscientes, responsáveis e apaixonados pelo planeta.

Haja vontade de a pôr em prática!

Outubro de 2025

O Autor

Mónica Maia-Mendes é bióloga, licenciada em Ciências do Meio Aquático e completou um mestrado em Ciências do Mar e Recursos Marinhos, na Universidade do Porto. Em 2025, é Diretora do Centro de Formação da SPECO – Sociedade Portuguesa de Ecologia e docente no Agrupamento de Escolas de Ermesinde.
Ao longo do seu percurso, Mónica Maia-Mendes tem-se dedicado à divulgação, educação e literacia ambiental. Além de integrar várias organizações e iniciativas na área do ambiente – Programa ECOXXI e Coligação para o Crescimento Verde, entre outras – colaborou e colabora em vários projetos de investigação, a exemplo do Projeto Rios, LivingRivers, Life Invasaqua e ProjetoAqua.

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