Comentário

Eduarda Fernandes

Gestão florestal colaborativa: participação pública integra e legitima

Apesar do envolvimento dos vários agentes sociais nas decisões e estratégias para o território e as florestas ter benefícios reconhecidos, os processos de decisão e gestão florestal colaborativa ainda estão a dar os primeiros passos em Portugal. O projeto ShareFOREST reviu a literatura sobre o tema, analisou processos reais, testou metodologias e deixa sugestões.

Pensar em floresta e no seu valor é muito mais do que pensar nos seus recursos e respetivo valor económico. Mesmo em Portugal, onde a propriedade privada é a regra, as florestas representam um refúgio, um espaço de ligação com a natureza, um património que a maior parte das pessoas deseja preservar para as gerações futuras. São vários, no entanto, os desafios existentes para se conseguir uma gestão florestal sustentável em Portugal, como no resto do mundo aliás.

Num contexto de alterações climáticas e fenómenos extremos cada vez mais frequentes, e de risco de incêndios com proporções e danos cada vez mais catastróficos, torna-se ainda mais premente a necessidade de uma gestão florestal ativa, adaptativa e colaborativa. Mas para que os processos de gestão florestal colaborativa possam existir é essencial um envolvimento efetivo das pessoas.

O projeto ShareFOREST propôs precisamente construir uma metodologia que permitisse um envolvimento efetivo das diferentes partes interessadas na gestão e ordenamento das Matas do Litoral – as Matas públicas litorais do Centro do país -, através de um processo de partilha que potenciasse, em última instância, a codecisão.

A pronta adesão de diferentes tipos de agentes e entidades – quer à participação nos diferentes momentos de recolha de informação, quer às sessões participativas organizadas no âmbito deste projeto – é reveladora do seu interesse pelos processos de gestão e ordenamento das Matas do Litoral, bem como da vontade e disponibilidade para uma maior participação e envolvimento nos mesmos.

Apesar de este maior envolvimento e participação na gestão das florestas públicas nacionais ter surgido como uma das recomendações da Comissão Científica responsável pelo Programa de Recuperação das Matas do Litoral, criada pelo Governo da República após os incêndios de outubro de 2017, a resposta por parte dos sucessivos governos e da entidade gestora não tem sido suficiente para a potenciar. Mas a definição e implementação de um modelo efetivo e eficaz de envolvimento dos agentes para uma gestão florestal colaborativa é essencial.

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Gestão florestal colaborativa: capacitação, legitimação, pertença e responsabilização

Este envolvimento é essencial porque promove a aprendizagem social e a capacitação das comunidades locais, reforça a legitimidade das decisões e, assim, potencia a sua implementação mais eficaz. No fundo, deixam de existir as decisões “deles” para existirem as “nossas” e, portanto, esta corresponsabilização permite amenizar conflitos e “passa culpas”, sobretudo em períodos de crise como acontece com os incêndios.

Para além de conseguir integrar as necessidades inerentes aos vários grupos sociais, o envolvimento das comunidades e agentes na definição do futuro das Matas Litorais pode contribuir para uma gestão mais ativa, adaptativa e sustentável, bem como para uma imagem mais positiva das matas públicas e uma maior aceitação social da gestão levada a cabo pela entidade pública responsável.

Com metodologias como as testadas no projeto ShareFOREST, (e que podem ser consultadas no SHAREFOREST: manual de metodologias participativas: um guia para o envolvimento dos agentes na gestão da florestahttps://ria.ua.pt/handle/10773/42932), ou outras, o envolvimento das pessoas, das comunidades e dos agentes locais pode traduzir-se num ainda maior sentido de pertença, mas também numa maior responsabilização e consciencialização das consequências das ações individuais para uma gestão florestal sustentável.

Se a participação pública for efetiva, se ocorrer em diferentes fases de definição e implementação dos planos de gestão florestal, se integrar e refletir as expetativas, interesses e necessidades dos diferentes cidadãos e agentes, verifica-se uma legitimação social das decisões e dos planos definidos em conjunto. A gestão florestal colaborativa pode, assim, ajudar a evitar ou minorar conflitos futuros, potenciando uma gestão mais sustentável e, em última instância, um maior usufruto deste recurso por parte de todos.

Maio de 2025

O Autor

Eduarda Fernandes é doutorada em Economia, com especialização em Teoria e Política Económica. É Professora Adjunta da ESTG do Politécnico de Leiria, Presidente do Conselho de Administração da Startup Leiria, investigadora do CARME – Centro de Investigação Aplicada em Gestão e Economia, do Politécnico de Leiria, e membro de várias redes de colaboração internacionais como o International Science Council (ISC) ou a RIMAS Academy (Rede Internacional de Estudos Sobre Meio Ambiente e Sustentabilidade).

Investiga na área da Economia dos Recursos Naturais e do Ambiente, focando nomeadamente os instrumentos de política económica e incentivos para fomentar o desenvolvimento sustentável e impulsionar a transição para um modelo de economia circular.

Além de ter publicados inúmeros trabalhos científicos, participou em vários projetos de investigação, incluindo o projeto ShareFOREST – Sharing decisions in forests: participatory methodology for public and stakeholder engagement in the protection and valorisation of forests in Portugal (2021-2024), do qual foi Co-Investigadora Responsável.

No ShareFOREST trabalhou com Elisabete Figueiredo, Investigadora Responsável pelo projeto e coautora deste Comentário. Elisabete Figueiredo é Socióloga e doutorada em Ciências Aplicadas ao Ambiente. É Professora Associada com Agregação no Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território, e investigadora do GOVCOPP – Unidade de Investigação em Governação, Competitividade e Políticas Públicas, da Universidade de Aveiro, assim como autora de numerosos trabalhos científicos.

Investiga sobretudo nos domínios da sociologia rural e da sociologia do ambiente, tendo participado em mais de três dezenas de projetos de investigação financiados pela FCT e pela Comissão Europeia. Em 2025, é também Co-Investigadora Responsável do projeto ALICE – Air polLution: a stressor for environmental justICE (2023-2026) que, tal como o ShareFOREST, é financiado pela FCT.

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