Comentário

Martinho Martins

Terraços florestais em Portugal: benefícios e desafios

Inspirados por técnicas tradicionais bem conhecidas em Portugal, os terraços florestais permitem a plantação e gestão da floresta em terrenos com declives pronunciados, com benefícios na redução da erosão e no aumento da infiltração da água. Mas sempre que mobilizamos o solo, arriscamos perdas na sua composição, biodiversidade e funções. Encontrar o equilíbrio é a solução e a ciência deve apoiá-la.

A construção de terraços florestais, também conhecidos em Portugal como socalcos, é uma prática com história e relevância, amplamente utilizada para a gestão de plantações florestais em áreas declivosas.

Este é um método inspirado por técnicas agrícolas tradicionais, como os famosos terraços vinícolas do Douro ou os socalcos com muros de pedra que possibilitaram a agricultura em inúmeras aldeias de montanha, como o Sistelo, conhecido como o “Tibete Português”.

Os benefícios dos terraços florestais são claros, mas têm também implicações importantes que requerem uma análise cuidadosa do seu uso e conservação.

Benefícios da implementação de terraços florestais

Os terraços florestais transformam encostas inclinadas em superfícies planas, facilitando, assim, intervenções mecanizadas, desde a plantação até à extração de madeira. Além disso, podem contribuir para:

  1. Redução da erosão do solo: ao diminuir a velocidade do escoamento superficial (provocado pelas águas), os terraços ajudam a reter o solo, prevenindo a perda de nutrientes essenciais.
  2. Melhoria da infiltração de água: em solos historicamente propensos a repelir a água, como acontece em plantações de pinheiro-bravo ou eucalipto, os terraços mostraram-se eficazes na redução dessa repelência, promovendo melhores condições de permeabilidade.
  3. Facilidade na gestão florestal: a criação de superfícies niveladas permite o uso eficiente de máquinas para gestão do excesso de biomassa combustível, reduzindo custos operacionais.

A construção de terraços com o objetivo de implementar plantações florestais é uma opção que traz ganhos tangíveis para a gestão de plantações em terrenos desafiadores, que muitas vezes são pouco produtivos. Contudo, os desafios identificados em estudos recentes apontam para a necessidade de uma abordagem equilibrada e baseada em ciência. Dessa forma, podemos garantir que os terraços florestais contribuam para uma gestão mais sustentável e integrada, respeitando as funções ecológicas do solo e da sua biodiversidade.

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© Martinho Martins

Desafios dos terraços de plantações florestais

Embora reconheçamos os benefícios dos terraços florestais, a sua implementação acarreta desafios que não podem ser ignorados.

A construção destes sistemas altera significativamente a paisagem e a estrutura do solo, podendo comprometer funções ecológicas essenciais, se não forem aplicadas as medidas de mitigação adequadas. Além disso, a sua eficácia depende de um planeamento criterioso que considere não apenas os benefícios imediatos, mas também os impactes a médio e longo prazo.

Entre os principais desafios identificados, destacam-se:

  1. Impactes na estrutura do solo: Durante a sua construção, os horizontes do solo são profundamente misturados, causando a perda de estratificação natural e um aumento da densidade do solo. Além disso, parte do carbono armazenado no solo pode ser perdido por oxidação, devido à exposição de camadas mais profundas e à intensificação de contato com o oxigênio. Estes fatores podem comprometem a capacidade do solo em armazenar carbono e nutrientes, essenciais para a biodiversidade e produtividade florestal.
  2. Biodiversidade ameaçada: Imediatamente após a construção dos terraços florestais, observa-se uma diminuição na diversidade de comunidades de artrópodes do solo, com efeitos diferenciados sobre famílias como Coleópteros e Aranhas. Embora a resiliência seja visível a médio prazo, essa perturbação inicial pode impactar funções ecológicas cruciais.
  3. Planeamento e sustentabilidade: Em algumas regiões, a prática carece de controlo governamental. Por exemplo, cerca de 39% das áreas com terraços no Caramulo foram implantadas em declives abaixo de 15°, em desconformidade com diretrizes técnicas, levantando questões sobre a eficiência e justificação para a implementação de terraços nessas condições.

Equilíbrio é necessário para um futuro mais sustentável desta prática

Os terraços florestais são uma técnica valiosa, mas devem ser usados com critério. A implementação responsável exige um planeamento baseado em evidências. É, assim, essencial identificar áreas apropriadas para a implementação de terraços, com base na inclinação do terreno (por exemplo, declives acentuados, superiores a 25%) e características do solo, para maximizar benefícios e minimizar impactes.

Adicionalmente, é imperativa uma monitorização contínua, pois só ao avaliar periodicamente os efeitos dos terraços sobre as propriedades do solo e a biodiversidade, se poderão implementar ajustes nas técnicas utilizadas.

O recurso a práticas complementares deve também ser equacionado – por exemplo, medidas como a revegetação dos taludes intermédios com arbustos nativos e a diminuição do seu declive, podem mitigar os impactes negativos imediatos e promover uma rápida recuperação ecológica.

Junho de 2025

O Autor

Martinho Martins é Engenheiro do Ambiente, pela Universidade de Aveiro (UA) e, desde a sua tese de Mestrado (2011), tem-se dedicado a aprofundar temas relacionados com a prevenção e mitigação da degradação do solo florestal, especialmente devido a incêndios florestais e à mobilização do solo.

No seu doutoramento em Ciências e Engenharia do Ambiente (UA, 2022) focou-se em avaliar como a construção de terraços em áreas florestais afeta diversas funções do solo, incluindo o controlo da erosão, a retenção de água e o ciclo de nutrientes.

Em 2025, integra, como contratado, o projeto Horizon Europe TERRASAFE, dedicado a avaliar e demonstrar inovações para combater a desertificação, enquanto dá continuidade a trabalhos anteriores sobre os impactes dos incêndios florestais na erosão do solo e respetivas medidas de mitigação.

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