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Alterações Climáticas

Como se calcula a pegada de carbono do papel?

A pegada de carbono é uma medida do impacte de atividades específicas, que contabiliza a respetiva emissão de gases com efeito de estufa (GEE). Assim, para calcular a pegada de carbono do papel (ou de qualquer outro produto) devem ser contabilizadas as emissões resultantes das atividades que permitem obtê-lo, podendo ser consideradas diferentes perspetivas de avaliação de ciclo de vida, como:

– Avaliação gate-to-gate: centrada apenas no ciclo produtivo, tem em conta todas as etapas que ocorrem dentro da unidade fabril.

– Avaliação cradle-to-gate: considera as etapas que vão desde a extração das matérias-primas (neste caso, a floresta), até à fase em que o produto final – uma resma de papel, por exemplo – está pronta para sair da fábrica.

– Avaliação cradle-to-grave: vai desde a extração das matérias-primas até ao fim de vida do papel.

O resultado será, em qualquer destas avaliações, um indicador central para compreender não apenas a pegada de carbono do papel, mas o impacte ambiental deste sector industrial de base florestal.

Contudo, a escolha do tipo de avaliação vai, desde logo, influenciar o cálculo dos GEE emitidos, o qual pode variar também em função de outros fatores, como o tipo de papel, o processo de fabrico (existem dois processos químicos e um mecânico), a integração (ou não) dos processos de produção de pasta e de papel, a proporção de energia renovável usada no processo e até as metodologias de cálculo aplicadas.

Por exemplo, a integração dos processos de produção significa que desde a transformação da matéria-prima (a madeira) até ao produto final (o papel), todas as atividades são feitas num mesmo complexo, havendo interligação entre as diferentes fases. Isto traz maior eficiência, mas também minimização de desperdícios e subprodutos, que são recuperados e reutilizados ao longo de todo o processo. Numa produção não integrada, há uma primeira fase de produção de pasta de celulose, que depois é seca e embalada para ser transportada para empresas que só produzem papel.

 

 

A energia requerida nos processos produtivos é um dos fatores mais relevantes para a variação dos cálculos, pois a produção de pasta e papel exige quantidades significativas de energia elétrica e térmica. A utilização de energia de fontes renováveis, incluindo biomassa residual sustentável, é uma das formas mais eficazes para reduzir a pegada de carbono do papel.

Processos industriais mais eficientes e a utilização de matéria-prima de florestas locais com gestão sustentável certificada permitem menores emissões de GEE fóssil por tonelada de papel.

Além disso, o papel é biodegradável, reciclável e, por ser um produto de base florestal, retém parte do carbono absorvido pelas árvores durante o seu crescimento. Neste sentido, funciona, durante o seu tempo de vida, como um reservatório de carbono.

 

Qual é a pegada de carbono do papel?

 

Apesar destas variáveis, é possível identificar valores médios de referência para a pegada de carbono do papel.

Um artigo científico de revisão que fez uma meta-análise de 45 estudos de produção de papel e 18 casos de produção de pasta – considerando uma avaliação cradle-to-gate, diferentes tipos de papel e vários países – estimou uma média de 951 kg CO2 eq por cada tonelada de papel (a métrica CO2 eq contabiliza os diferentes gases com efeito de estufa como se todos eles fossem equivalentes a dióxido de carbono).

Apesar deste valor de referência, este trabalho revela diferenças entre países, regiões e tipos de papel. Por exemplo, as emissões associadas ao fabrico de papel de escritório (feito com pasta química, pelo processo kraft):

– Na Eslováquia, correspondiam a cerca de 800 kg CO2 eq;

– Na China, o fabrico do mesmo tipo de papel a partir de papel reciclado e de estilhas de madeira implicava 820 kg CO2 eq e 960 kg CO2 eq, respetivamente.

Outra análise de ciclo de vida, que incluiu as fases que vão desde a extração da madeira até à primeira plataforma de distribuição do papel, e que incidiu também sobre papel de escritório (de 80 g/m2) produzido a partir de pasta obtida pelo método kraft, concluiu que:

– Em Portugal, a pegada de carbono do papel se situava entre 860 kg CO2 eq e 950 kg CO2 eq por tonelada produzida, um intervalo de valores dependente da metodologia de cálculo usada.

– No Brasil, a pegada de carbono do mesmo tipo de papel, produzido pelo mesmo método, podia chegar aos 1050 kg CO2 eq.

De realçar que o consumo de energia tem um peso significativo nas emissões associadas à produção de papel, pelo que estas emissões serão mais elevadas quanto maior a fração de combustíveis fósseis utilizada.

 

 

Uma outra análise de ciclo de vida desde a floresta até à saída da fábrica de papel – desenvolvida pela portuguesa The Navigator Company, com a metodologia CEPI 10 Toes, indicou que a pegada de carbono do papel de impressão e escrita não revestido que produz (conhecido pela sigla UWF, do inglês Uncoated Woodfree Paper) era de 650 kg de emissões de CO2 eq fóssil por tonelada de papel. Numa análise comparativa feita pela FisherSolve, esta foi a terceira produtora mais competitiva em termos de pegada de carbono do papel, de um total de 60 empresas europeias que fabricam este tipo de papel. De acordo com o mesmo estudo, os produtores europeus de papel UWF têm uma pegada de carbono cerca de 50% inferior à da indústria asiática.

Adicionalmente, os gases com efeito de estufa emitidos na produção são compensados pelo carbono retido no papel.

De notar que os números reportados pelos vários estudos podem não refletir a realidade mais recente de várias empresas do sector papeleiro, que têm vindo a fazer esforços para reduzir as suas emissões de carbono, pela crescente integração de energia de fontes renováveis e pelo uso energético de subprodutos que, no passado, eram descartados como resíduos – por exemplo, a integração da biomassa residual florestal de origem sustentável, da casca das árvores e do licor negro que resulta da produção de pasta para papel.

O mesmo acontece com os decréscimos de emissões propiciados pela implementação de tecnologias que visam a melhoria da eficiência ambiental dos processos. De referir também, em 2025, a existência de vários projetos piloto de captura de carbono biogénico em unidades deste sector, que poderão contribuir futuramente para a produção de materiais de valor acrescentado, nomeadamente de combustíveis sintéticos neutros em carbono.

 

E no caso do papel reciclado?

 

A variação da pegada de carbono do papel reciclado é influenciada pelos mesmos fatores que são críticos às emissões relacionadas com a produção de papel de fibras virgens – energia, processos, tipo de papel, entre outros.

Acrescem as emissões relativas à recolha, separação e tratamento dos diferentes papéis suscetíveis de reciclar – alguns podem conter contaminantes, como tinta, agrafos, cola e outros elementos, que têm de ser removidos – assim como a pegada associada à própria reciclagem.

 

 

Adicionalmente, embora seja desejável reciclar as fibras do papel, para que elas possam transformar-se em novo papel é sempre necessário integrar neste processo uma percentagem de fibras virgens. A razão para esta integração é compensar a perda de fibras que ocorre a cada ciclo de reciclagem e que vai alterando as características do material de base.

Mesmo assim, quando temos uma maioria de fibras recicladas, elas são normalmente encaminhadas para produtos de menor valor acrescentado, como o papel de embalagem, enquanto as fibras virgens são direcionadas para as utilizações mais nobres, como o papel para impressão e escrita. É este último que realimenta a cascata da reciclagem.

De facto, o papel reciclado e o papel de fibra virgem não devem ser encarados como “concorrência”, mas sim como componentes de um sistema de economia circular.

Recorde-se que a reciclagem está associada ao papel há séculos. Os registos mais antigos de utilização de restos de papel no fabrico de novas folhas datam de 1031, no Japão, e embora os processos de reaproveitamento tenham mudado, a sua reutilização manteve-se até aos dias de hoje.

O papel é, aliás, um dos materiais mais reciclados: 61,6% do papel consumido globalmente em 2023 foi reciclado, de acordo com a Confederação Europeia das Indústrias de Papel (CEPI). A mesma fonte revela que a Europa é a região do mundo com valores de reciclagem de papel mais elevados: no mesmo ano, 79,3% de todo o papel e cartão consumido na Europa foi reciclado e, em 2024, a taxa de reciclagem desceu ligeiramente para os 75,1%, mantendo-se, ainda assim, próxima da meta assumida pelo sector: 75% até 2030.

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