Notícias e Agenda

20.10.2025

O primeiro inventário das árvores mediterrânicas

O primeiro inventário das árvores mediterrânicas

A primeira lista sistemática de árvores mediterrânicas nativas identificou 496 espécies e 147 subespécies características das florestas do Sul da Europa, Norte de África e Ocidente da Ásia, num total de 39 territórios. 48 das espécies e 8 das subespécies listadas não eram, até agora, consideradas como árvores.

Existem inúmeros inventários regionais, nacionais e internacionais sobre flora, mas, até aqui, as espécies de árvores mediterrânicas nunca tinham sido alvo de um levantamento sistemático, que contribuísse para o conhecimento da biodiversidade arbórea característica desta região que partilha três continentes, um clima semelhante e uma herança florística comum.

O estudo “Native Trees of the Mediterranean Region: Distribution, Diversity and Conservation Challenges” veio preencher esta lacuna, com uma primeira compilação sobre as espécies de árvores mediterrânicas, a sua distribuição, aplicações, genética e estatuto de conservação.

Ao todo, os autores identificaram 496 espécies e 147 subespécies de árvores mediterrânicas nativas, pertencentes a 50 famílias e 111 géneros botânicos. As famílias mais representadas são:

  • Rosáceas (Rosaceae), com 147 espécies e 19 subespécies. A maioria pertence ao género Prunus, com 43 espécies e subespécies identificadas. Entre elas, estão muitas árvores de fruto, como as ameixeiras, cerejeiras, amendoeiras e pereiras, assim como muitas espécies e híbridos de Sorbus;
  • Fagáceas (Fagaceae), com 42 espécies e 24 subespécies, onde se incluem os carvalhos (Quercus), que são o género com maior número de espécies e subespécies em todo o levantamento efetuado: um total de 54;
  • Salicáceas (Salicaceae), com 42 espécies e 10 subespécies, sendo mais representativos os salgueiros (Salix), com 38 espécies e subespécies, mas também com diversidade de choupos ou álamos (Populus).

A densidade de espécies nativas (por quilometro quadrado) não está igualmente distribuída pela região mediterrânica, nem é proporcional à dimensão dos territórios, sendo relativamente mais elevada para Norte e Este. A maior riqueza é encontrada na Bulgária, no Kosovo e em Malta, sendo muito mais elevada nestes territórios do que nas amplas áreas da Turquia ou Irão. Uma paisagem contrastante, com diferentes características geomorfológicas, é o que mais influencia esta riqueza, o que indica as áreas com diversidade de nichos e habitats como prioritárias para a conservação da biodiversidade.

As espécies estritamente mediterrâneas estão entre as mais ameaçadas de extinção: nove “Criticamente em Perigo”, 15 “Em Perigo” e oito “Vulneráveis”, números mais expressivos dos que caracterizam as espécies que partilham o mediterrâneo e outras ecorregiões. Acresce que 37% das espécies identificadas não possuem dados suficientes para avaliar este risco, e esta percentagem mais do que duplica para as subespécies (78%). Esta falta de conhecimento é preocupante, porque sendo muitas destas espécies endémicas numa única zona – cerca de 40% das espécies inventariadas são endémicas de um único continente – a probabilidade de se extinguirem é maior.

As informações sobre a diversidade genética também são escassas e desiguais, especialmente em relação às espécies que não são geridas com objetivos de produção de madeira, alimentos ou medicamentos e às endémicas da Norte de África e Ásia Ocidental. Os estudos genéticos existentes estão principalmente concentrados nas espécies economicamente importantes e nas que estão presentes na Europa Mediterrânica. Apenas 80 espécies concentram mais de 90% das publicações.

As árvores mediterrânicas identificadas em Portugal

Em Portugal continental foram identificadas 84 espécies nativas (e 25 introduzidas) e 27 subespécies nativas (e quatro introduzidas).

Em consonância com os dados gerais, as famílias mais representativas são:

  • Rosáceas: 15 espécies nativas, a exemplo da sorveira (Sorbus domestica), cerejeira (Prunus avium) e espinheiro-branco (Crataegus monogyna), a que acrescem mais cinco subespécies nativas. Nesta família, há ainda oito espécies de árvores do Mediterrâneo que são consideradas introduzidas em Portugal: amendoeira (Prunus amygdalus), ginjeira (Prunus cerasus), ameixeira-europeia (Prunus domestica) e pereira-europeia (Pyrus communis) são alguns exemplos.
  • Salicáceas: sete espécies, um híbrido e duas subespécies nativos. Nas espécies, temos, por exemplo, o álamo-tremedor ou choupo-tremedor (Populus tremula), o choupo-branco (Populus alba) e vários salgueiros, como o salgueiro-preto (Salix atrocinerea), a borrazeira-branca (Salix alba) e o salgueiro-roxo (Salix purpurea). O híbrido é o Salix × fragilis que, ao contrário de outras fontes, é considerado nativo. Acrescem mais uma espécie e duas subespécies introduzidas.
  • Fagáceas: oito espécies nativas de carvalhos (Quercus), que incluem desde o mais reconhecido sobreiro (Quercus suber) ao mais raro carvalho-de-Monchique (Quercus canariensis). Ainda assim, são menos do que as espécies de carvalhos atualmente consideradas nativas de Portugal continental. Acrescem mais cinco subespécies nativas, também de carvalhos. O inventário identifica ainda uma espécie introduzida, referindo-se ao castanheiro (Castanea sativa), que muitos consideram nativo de Portugal.

Relativamente ao risco de extinção, entre as 84 espécies de árvores mediterrânicas nativas em Portugal, apenas uma está classificada como “Vulnerável” – o mostajeiro-de-folhas-largas (Sorbus latifolia) –, de acordo com avaliação da Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN). A grande maioria é considerada “Pouco Preocupante”. Ainda assim, 18 não se encontram avaliadas na Lista Vermelha da UICN: 12 não têm dados e seis têm dados insuficientes para fazer a avaliação. Quanto às subespécies, o azereiro (Prunus lusitanica subsp. lusitanica) é também indicada como “Em Perigo”.

Entre as espécies introduzidas, o cedro-do-atlas (Cedrus atlantica) está classificado como “Em Perigo” e o castanheiro-da-Índia (Aesculus hippocastanum) como “Vulnerável. “Em Perigo” está também a subespécie do chamado abeto espanhol Abies pinsapo subsp. pinsapo.

Introduções e limitações da primeira lista de árvores do Mediterrâneo

Esta primeira lista de árvores do Mediterrâneo identifica nesta região uma série de espécies que não constavam de inventários anteriores, em particular devido à área geográfica selecionada e ao conceito de árvore assumido pelos autores. Por exemplo, inclui mais 80 espécies e 67 subespécies do que as que constavam da lista de árvores da Europa mediterrânica, que este trabalho tomou como referência.

Em termos geográficos, o levantamento abrangeu 39 territórios onde existe uma clara alternância entre verões quentes e invernos suaves e húmidos, incluindo:

  • Florestas, bosques e matos mediterrânicos ou florestas esclerófilas mediterrânicas, bioma típico dos territórios da Bacia Mediterrânica, onde se enquadram os países em torno deste Mar, nos três continentes.
  • Florestas mistas dos Alpes Dináricos, nas Balcãs, que se estendem desde o nordeste de Itália até ao norte da Albânia, atravessando a Eslovénia, Croácia, Bósnia-Herzegovina, Montenegro, Sérvia e nordeste do Kosovo.
  • Complexo florestal submediterrânico da Crimeia, na costa do Mar Negro, abrangendo partes da Ucrânia e Rússia.
  • Ecorregião das florestas estepárias da cordilheira de Zagros, desde o extremo oriental da Turquia ao Norte e Sul do Irão.

Este trabalho deixou de fora espécies que não existem naturalmente em áreas de clima mediterrâneo, embora estejam integradas em países que são incluídos nesta região, como os arquipélagos portugueses da Madeira e Açores, onde o clima é mais húmido, e as estepes florestadas onde a chuva rareia. Incluiu, no entanto, espécies mediterrânicas que coexistem noutras zonas climáticas.

No seu conceito de árvores, os autores consideraram as plantas perenes que têm um único tronco ou caule, com ramos laterais que crescem longe do solo, e que podem atingir pelo menos três metros de altura em condições naturais. É mais comum considerarem-se árvores as plantas que atingem os cinco e não os três metros, pelo que esta compilação acaba por abranger espécies que são tipicamente consideradas arbustos e excluídas de outras listas de árvores, como o carrasco (Quercus coccifera) ou o medronheiro (Arbutus unedo).

A sua inclusão neste trabalho é justificada por estes arbustos de maior porte terem uma importância ecológica similar à das árvores na conservação das florestas e dos sistemas agroflorestais mediterrânicos, sendo “recursos genéticos valiosos para uma silvicultura adaptada às alterações climáticas”, refere o artigo.

Neste sentido, o inventário identifica como árvores mediterrânicas 48 espécies e 8 subespécies que são descritas como arbustos nas referências consultadas que serviram de ponto de partida para o presente trabalho.

Em relação a Portugal, refere como nova, a informação relativa a:

  • Cinco espécies, um híbrido e uma subespécie mediterrânicos nativos, que antes não eram assim consideradas: Ficus carica, Juniperus phoenicea, Laurus nobilis, Pinus sylvestris, Tamarix canariensis, Salix x fragilis e Ficus carica subsp. carica. Apesar de este trabalho as referir como uma novidade entre as nativas mediterrâneas portuguesas, a maioria já é considerada autóctone em várias publicações e bases de dados, como o portal da flora portuguesa Flora-on.
  • Quatro espécies e uma subespécie mediterrânicas introduzidas em Portugal, que antes não eram assim consideradas: Betula pendula, buxo (Buxus sempervirens), cedro-do-sal (Tamarix parviflora), Ulmus glabra e Betula pendula subsp. pendula.
  • Em sentido inverso, refere que não temos no nosso território seis espécies e uma subespécie que outras fontes de informação indicam existirem: olaia (Cercis siliquastrum), álamo-negro (Populus nigra), pera-brava (Pyrus pyraster), cambra (Rhamnus cathartica), Salix pedicellata, Ulmus procera (ou Ulmus minor) e Salix pedicellata subsp. pedicellata.

A equipa assume a existência de lacunas e vieses nesta sua lista, que não deve ser considerada como definitiva, mas antes como uma base inicial para aprofundar o conhecimento das espécies de árvores mediterrânicas.

Estas discrepâncias devem-se a diferentes razões, incluindo enviesamentos; omissões e variações de nomenclaturas, já existentes nas bases de dados que serviram de ponto de partida; inexistência de informação genética sobre muitas das espécies e limitações de pesquisa em língua inglesa. Assim, apelam aos investigadores que estão a trabalhar em espécies de flora para fazerem a respetiva identificação taxonómica (em latim) nos títulos, palavras-chave e resumos das suas publicações, de modo que a futura identificação seja viável.

Refira-se que para este inventário das árvores do Mediterrâneo, a equipa combinou informação sobre as árvores mediterrânicas patentes no trabalho What is a tree in the Mediterranean Basin hotspot? A critical analysis e nos repositórios online GlobalTreeSearch, Plants of the World Online e Euro+Med PlantBase. Depois complementou-a com mais literatura e conhecimento científico e cruzou estes dados com fontes de outras áreas para melhor compreender dados relevantes:  o risco de extinção (Lista Vermelha da UICN), a importância económica e a diversidade genética.

Tendo em conta que parte das espécies mediterrânicas são pouco conhecidas (e algumas ainda menos estudadas) e “considerando os múltiplos riscos enfrentados pelas florestas mediterrânicas no século XXI, o desenvolvimento de redes de conservação à escala dos grandes habitats mediterrânicos, das suas espécies e diversidade genética é uma prioridade, para a qual esta publicação pode contribuir”, concluem os autores.

Nota: Os dados de inventário recolhidos para o projeto estão disponíveis para consulta e utilização em A complete inventory of all native Mediterranean tree species of North Africa, Western Asia and Southern Europe – URFM – Ecologie des Forêts Méditerranéennes