Comentário

Teresa Girão

Jardins botânicos em defesa de um Reino

Os jardins botânicos são essenciais à conservação e gestão da diversidade das plantas, um papel que se torna tanto mais relevante quando conhecemos as estimativas sobre as espécies em risco de extinção: cerca de 40% de todas as plantas do mundo.

É grande a lista das razões pelas quais as plantas são essenciais para a vida na Terra. E tão diversa como a sua potencial conversão em alimentos – para os humanos e muitos outros animais –, ou em materiais de construção e combustíveis, a utilização em medicina, até ao papel central em processos ecológicos de regulação climática, fertilidade dos solos, ou purificação da água e do ar. É, por isso, facilmente compreendido que a diversidade de plantas seja decisiva para enfrentar muitos dos desafios atuais, desde a segurança alimentar às alterações climáticas, e que se procurem novas formas de beneficiar das ferramentas que nos fornecem, preservando-as simultaneamente.

Por que razão é tão premente a necessidade de preservação, se estas observações são aparentemente consensuais? Porque apesar de um reconhecimento genérico da sua importância, essa fundamental diversidade está em risco devido à ameaça de extinção de, estima-se, cerca de 40% das espécies de plantas. A lista de ameaças à biodiversidade é possivelmente tão extensa como a dos seus benefícios, das alterações climáticas à desflorestação, extração ilegal de madeira e mudanças no uso da terra, às espécies invasoras, doenças e pragas.

Historicamente criados para apoiar o ensino – da botânica, globalmente, e da medicina em particular –, os jardins botânicos são hoje mais do que um repositório do mundo das plantas, de grandes coleções vivas de plantas nativas e exóticas, ou do que aprazíveis espaços de lazer em que também se transformaram, e viram o seu propósito expandir-se.

Os jardins botânicos desempenham um papel fulcral na conservação e gestão da diversidade de plantas ex situ e, em sentido mais amplo, também in situ. Se capacitados, com recursos humanos e financeiros bastantes, terão a competência técnica e científica para prevenir a extinção de espécies vegetais.

Jardins Botânicos

© Jardim Botânico da Universidade de Coimbra – Quadrado central (2022)

Para além dos ecossistemas, também os bancos de sementes e herbários muitas vezes associados a estes jardins constituem uma fonte de dados para a identificação de espécies, e sua consequente conservação. Todos os anos centenas de novas espécies são assim identificadas, naquela que é uma verdadeira corrida contra o tempo, sendo muitas delas imediatamente reconhecidas como estando ameaçadas de extinção.

Os jardins botânicos ocupam atualmente uma posição de destaque na discussão das questões científicas e sociais relacionadas com a conservação de plantas, a biodiversidade e a sustentabilidade, envolvendo não apenas a comunidade científica, mas também, e fundamentalmente, o público, restabelecendo a ligação das comunidades com o mundo das plantas. Assim, além promover e colaborar ativamente em iniciativas de investigação em botânica e em estudos de conservação, a procura de públicos mais alargados e uma maior oferta de ações de divulgação e educação que os envolvam são, por isso, componentes importantes da missão dos jardins botânicos, lutando ativamente contra a indiferença às plantas nas sociedades modernas (esta indiferença ou “cegueira” botânica é habitualmente conhecida como “plant blindness”).

Falando em ca(u)sa própria, o Jardim Botânico da Universidade de Coimbra, que celebra este ano 250 anos da sua fundação, foi criado com base em coleções taxonómicas utilizadas pela Universidade para o estudo e documentação das plantas, facto que é determinante para o seu valor científico e histórico. Contudo, hoje é reconhecido para além dessa capacidade, como um espaço aberto a todos, e um local privilegiado para acolher projetos de uma variedade de disciplinas, como os de educação ambiental, de ensino formal e informal, de investigação, de intervenção social e projetos culturais e artísticos. Esta multidisciplinaridade é essencial para fortalecer a sua relação tanto à comunidade universitária como à cidade e à região, e a uma rede alargada de parceiros externos, reforçando, assim, a sua atual relevância dentro e fora dos seus muros.

Maio 2022

O Autor

Doutorada em Tecnologia Bioquímica pela Universidade de Coimbra, Teresa Girão dedica-se, desde 2007, a uma carreira de comunicação científica, focando-se no impacto da ciência e tecnologia e das atividades de comunicação de ciência na sociedade.

É atualmente investigadora em comunicação de ciência no Museu da Ciência da Universidade de Coimbra, onde exerceu o cargo de diretora-adjunta para as coleções científicas (2019-2021). Em simultâneo, é diretora do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra (desde março de 2021).

Anteriormente, foi diretora do Centro de Ciência Júnior no Biocant (2007-2009), e investigadora do Centro de Neurociências e Biologia Celular, onde implementou e coordenou o gabinete de comunicação de ciência (2009-2014).

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