Comentário

Luís Pedro Salvador

O potencial terapêutico escondido nas plantas medicinais da flora portuguesa

As florestas são apelidadas de pulmões de oxigénio do planeta e em cada zona do globo não faltam exemplos de diferentes formações florestais com uma biodiversidade incrível. São o ecossistema perfeito para a existência e a preservação da vida e muitas das espécies que nelas crescem abrigam um potencial terapêutico que pode melhorar a saúde e a vida de cada um de nós.

As florestas e o reino vegetal em geral trazem um excelente contributo à saúde do planeta e a cada um de nós. As florestas portuguesas não são exceção e, em muitas delas, podemos encontrar verdadeiros tesouros da natureza: plantas que têm, em si mesmas, compostos benéficos e que, no seu conjunto, formam uma autêntica farmácia viva.

A sua ação terapêutica tem efeitos revitalizantes para o nosso organismo e os fitoquímicos (princípios ativos) já descobertos em muitas plantas podem ser bastante úteis ao bem-estar e saúde humanos, quando são bem usadas e supervisionadas por um profissional de saúde competente na área da fitoterapia, que é uma terapêutica da medicina complementar reconhecida pela Organização Mundial de Saúde.

Eis algumas destas plantas que nos oferecem um conteúdo natural a ser explorado.

Tomilho: potencial terapêutico como anti-inflamatório

Uma das plantas que podemos destacar e que nos é bem familiar é o tomilho (Thymus vulgaris). O género botânico a que pertence agrupa globalmente cerca de 250 espécies. Na Península Ibérica são conhecidas cerca de 11, bem valorizadas na apicultura (produção do mel), em aplicações aromáticas e culinárias e na conservação de alimentos.

O Thymus zygis, com fortes propriedades antibacterianas, é um exemplo. É uma erva aromática (subarbusto) bastante resistente e adaptável, preferindo solos secos e exposição solar. É endémica em quase todo o território nacional, embora a sua presença espontânea seja maior na região mediterrânica. A sua floração ocorre de meados de maio a início de agosto e dá origem a flores de tonalidade rosada a esbranquiçada. É uma espécie melífera, muito visitada pelas abelhas, que deixa os seus compostos aromáticos no mel.

Várias espécies de tomilho são utilizadas na fitoterapia, principalmente para a prevenção e tratamento das infeções do aparelho respiratório e também para o sistema digestivo e nervoso. Isto deve-se a dois compostos bioativos principais, o timol e o carvacrol, que possuem atividade anti-inflamatória, de acordo com os resultados de vários ensaios clínicos.

Visto que os seus óleos voláteis têm grande ação a nível pulmonar, esta planta tem sido eleita e bem usada em infusões e no fabrico de xaropes expetorantes. A Agência Europeia do Medicamento (EMA) considera o tomilho bem estabelecido para a tosse produtiva associada a constipações.

Urtiga: uma auxiliar no alívio de inflamações, da pele ao sistema urinário

Outra planta herbácea que vemos com frequência – e em que muitos evitam tocar, devido aos seus pelos urticantes – é a urtiga (género Urtica). Apesar de não termos, talvez, muita simpatia por esta planta, a verdade é que as urtigas têm uma longa história de uso terapêutico, assim como uma ampla tradição como alimento.

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Como ilustram o tomilho, a urtiga e o zambujeiro, as plantas deixam-nos um riquíssimo legado de história e aprendizagem, presenteando-nos com fitoquímicos que, quando bem usados e aconselhados por um profissional de saúde competente, podem trazer muitos benefícios à saúde humana, com evidência, segurança e eficácia.

As urtigas encontram-se em todo o território continental, com maior incidência no Norte e Centro e o seu género botânico compreende cerca de 30 espécies. Entre elas, salienta-se a Urtica dioica. As civilizações mais antigas, desde os egípcios aos romanos, já a usavam com fins terapêuticos. Hoje, é usada na medicina tradicional, para aliviar sintomas da Hiperplasia Prostática Benigna (HBP) e o seu potencial terapêutico está bem estabelecido pela EMA  na prevenção do agravamento das patologias do trato urinário.

Atualmente é também muito valorizada pela cosmética, que a aplica em loções e champôs para tratar a dermatite seborreica (caspa) e aliviar o prurido.

Na culinária, a urtiga poder ser usada em sopas, pois com o cozimento perde as propriedades urticantes. É uma boa fonte de fibra e compostos fenólicos, como a quercetina, que lhe confere atividade imunomodeladora, antioxidante e anti-inflamatória, e tem sido usada para combater algumas condições alérgicas.

Zambujeiro: potencial terapêutico na regulação da tensão arterial e colesterol

O zambujeiro ou oliveira-brava, tal como indica este seu nome comum, é da família das oliveiras (Oleaceae). É uma espécie mediterrânica e endémica em Portugal, mais persistente no Algarve e em algumas zonas do Alentejo, da Estremadura e do Ribatejo. Prefere solos secos e rochosos e é bastante resistente a altas temperaturas. Tem grande longevidade, podendo viver até cerca de três milénios.

Quando falamos do zambujeiro, falamos da espécie Olea europaea var. sylvestris. Este tipo de oliveira-brava, é bem reconhecida pelas suas folhas e azeitonas mais pequenas e, às vezes, é usada como ornamental em jardins ou rotundas, onde a vemos com porte de arbusto.

O óleo extraído do fruto do zambujeiro apresenta um perfil lipídico muito semelhante ao do azeite, rico em compostos bioativos, como tocoferóis e esteróis vegetais.

A sua aplicação é muito comum na sabedoria popular: os mais antigos usavam as folhas do zambujeiro para fazerem uma decocção, que usavam como um eficaz hipotensor. Este efeito de redução da pressão arterial é conseguido graças aos variados compostos fenólicos presentes – a oleuropeína é o mais abundante – que produzem um efeito inibitório da enzima conversora da angiotensina e atuam bloqueando os canais de cálcio a nível renal. Este e outros compostos desta planta medicinal criam uma sinergia perfeita que garante este efeito terapêutico, bem como um efeito hipocolesterolémico – de redução dos níveis de LDL (o “mau” colesterol) no sangue.

Deve-se apenas ter cuidado com as interações, no caso de um doente estar a tomar algum medicamento anti-hipertensor, para não potenciar o efeito.

O Autor

Luís Pedro Salvador é fitoterapeuta, com cédula profissional atribuída pela ACSS – Administração Central do Sistema de Saúde e, além de desenvolver esta atividade, com consultas de fitoterapia clínica, dá a conhecer regularmente no Instagram, em https://www.instagram.com/fitoptm/, o potencial terapêutico dos ativos naturais, desde os mecanismos de ação de diferentes plantas aos métodos de obtenção de extratos vegetais e  benefícios específicos das mais variadas espécies.

Luís Pedro Salvador tem formação avançada em Nutrição Clínica e formação base em Fitoterapia Ocidental e Oriental. Adicionalmente tem frequentado formações avançadas sobre a suplementação alimentar natural, nutrição e microbioma e micoterapia. Concluiu também a formação contínua “Interações planta-alimento-medicamento”, pela Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto.

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